Vai pela primeira vez para a escola? Vai mudar de estabelecimento? Transcrevemos do jornal PÚBLICO um interessante texto com conselhos úteis de ajuda a pais e filhos para enfrentar o início de novo ano lectivo.
A ansiedade já tomou conta de muitas casas portuguesas. Para uns é o regresso às aulas, para outros é o início de uma nova aventura, sobretudo para aqueles que vão para a escola pela primeira vez, vão mudar de estabelecimento de ensino ou chumbaram e vão ter de repetir o ano. O PÚBLICO ouviu alguns especialistas, psicólogos e educadores, para ajudar os pais a ter calma e a transmiti-la aos mais pequenos.
"Todos os momentos de transição são importantes nas nossas vidas e podem ser vividos com alegria e tranquilidade. Devem ser encarados com a mesma normalidade com que devem ser encaradas as mudanças constantes das nossas vidas", aconselha Maria João Santos, psicóloga educacional do Espaço para a Saúde da Criança e do Adolescente (ESCA), em Lisboa.
Mas cabe também às famílias "antecipar as exigências e esperar dificuldades e diferenças" para que o ano corra da melhor maneira, recomenda Dulce Gonçalves, psicóloga educacional do Lispsi – Centro de Psicologia Clínica e Educacional de Lisboa.
Pré-escolar: Adaptação com choro
Para os mais pequenos, o início do ano lectivo pode ser terrível para os próprios, para os pais e para os educadores, diz Cristina Coelho, educadora de infância, para quem a adaptação das crianças à sala é feita de muitos choros.
Aos pais, a educadora recomenda que tirem férias por estes dias para que ajudem a criança a adaptar-se ao novo ambiente, de um modo progressivo. Ou seja, no primeiro e segundo dia, o aluno fica só as primeiras horas da manhã; no terceiro já pode almoçar – a hora da refeição é uma altura complicada porque as crianças lembram-se mais de casa, explica a educadora; no quarto dia já pode ficar até ao lanche e, na segunda semana, já faz o horário completo.
Esta não é uma receita perfeita porque deve ser adaptada a cada criança. Haverá algumas que se adaptam melhor e choram porque não querem sair da escola, mas outras nem por isso. Contudo, os pais devem ser firmes, sugere Cristina Coelho, ou seja, "por cada passo que se dá não podem voltar atrás".
"O papel dos pais é o de orientar os filhos para estes seguirem, seguros, os seus caminhos", reforça Maria João Santos. Cristina Coelho concorda e acrescenta mais duas palavras: autonomia e confiança. Quanto mais autónomas forem as crianças - para comer, para controlar as idas à casa de banho -, mais facilidade terão em adaptar-se. Quanto mais confiança os pais tiverem no jardim-de-infância, melhor correrá a adaptação e o ano.
1.º Ciclo: Conhecer o professor
A mudança para o 1.º ciclo pode deixar os pais e os meninos apreensivos. Para uns é a mudança de escola, para todos é o deixar o educador de infância e passar a ter um professor que vai ensinar Língua Portuguesa, Matemática e Estudo do Meio.
O primeiro passo é comprar os livros com antecedência, vê-los com os filhos e perceber que não lhes vai ser pedido nada de complicado, diz Maria do Céu Tavares, psicóloga no Colégio do Sagrado Coração de Maria, em Lisboa. Uma visita à escola antes de as aulas começarem ajuda a criança a materializar e não a fantasiar sobre como é a escola e quem nela trabalha. Conhecer o professor que a vai receber é o ideal.
Muitas escolas fazem um trabalho de adaptação de um ciclo para o outro. Por exemplo, os meninos do pré-escolar vão visitar a escola do 1.º ciclo e esclarecer alguns dos seus medos. "São importantes todas as iniciativas que possam antecipar ou reduzir a ansiedade que os filhos possam sentir", diz Maria João Santos, do ESCA.
Também o dia de abertura do ano lectivo pode ser marcado por uma actividade promovida pela escola, como uma recepção de boas-vindas para crianças e famílias, com o objectivo de fazer uma visita, conhecer os professores e os serviços que oferece, segundo Isabel do Vale, psicóloga na Escola Básica Integrada Patrício Prazeres, em Lisboa.
Em casa, os pais devem transmitir confiança na escola e nos profissionais, recomenda Maria do Céu Tavares. Devem também reforçar a mensagem de que andar na escola é bom, acrescenta Isabel do Vale. "Se a escola for valorizada, os alunos têm vontade de se empenhar e a sua integração é diferente."
2.º Ciclo: Mudança significativa
Para muitos especialistas, esta é a mudança de ciclo mais significativa. Do professor único, o aluno passa a ter várias disciplinas e vários docentes. Tem um horário que pode estar distribuído por várias salas de aula. Pode mudar de escola para outra onde os estudantes do 5.º ano, que têm entre nove e dez anos, são os mais novos, os mais pequenos, os que têm menos experiência no espaço da escola. Nesta altura, muitos ganham autonomia para gerir as horas das refeições e de estudo e os pais têm algum receio de que os miúdos sejam muito pequenos para o fazer.
"É importante olhar para o novo ano como uma coisa nova, diferente, mas que não é complicada", aconselha Maria do Céu Tavares.
Com antecedência, a família deve visitar a escola, saber como se compra a senha para o almoço ou onde fica a biblioteca. Deve ainda procurar informar-se se há colegas do ciclo anterior que também vão frequentar a mesma escola e procurar ter o material e os livros preparados a tempo do início do ano lectivo. Se tudo estiver organizado, menos motivos há que causem ansiedade aos filhos.
Também neste ciclo, há escolas que no primeiro dia de aulas acolhem os alunos e famílias e promovem jogos para que os estudantes se comecem a conhecer. Alguns conselhos executivos também têm a preocupação de constituir turmas com alunos que venham da mesma escola do 1.º ciclo.
Mais uma vez, a confiança é a palavra de ordem. Aos pais cabe transmitir que têm confiança na escola e nos seus profissionais.
3.º Ciclo e Secundário: Menos preocupações?
A maior parte das escolas públicas que oferecem o 2.º também têm turmas de 3.º ciclo, portanto a mudança é menos visível e preocupa menos os pais. Há mesmo estabelecimentos de ensino onde nem sequer se mexe nas turmas e o grupo segue junto do 5.º ao 9.º ano.
Mas esta altura é complicada para mudanças porque os alunos estão também em plena adolescência. "É uma idade chata para os pais, mas também para eles", diz a psicóloga Maria do Céu Tavares, que explica que entre os 12 e os 15 anos os amigos assumem uma importância muito grande e os pais deixam de ser ouvidos ou de ser procurados para conversar.
Como os laços com os colegas são muito fortes, a perda dos amigos do 6.º ano é, para muitos, um drama. Por isso, o papel dos pais é o de cimentar as amizades dos filhos, que não têm de cingir-se apenas ao universo da escola, para que estes tenham com quem partilhar as suas angústias e ansiedades, aconselha a psicóloga do Colégio do Sagrado Coração de Maria. Mas cabe também aos pais promover a confiança nas capacidades do adolescente para enfrentar as mudanças e incutir-lhe o quão importante é a mudança, aconselha Isabel do Vale. "Dar-lhes autonomia", resume Maria do Céu Tavares.
O salto na maturidade dá-se por altura da entrada no secundário. Os amigos continuam a ser importantes mas ninguém segue uma área para estar com o grupo, salienta Maria do Céu Tavares.
No entanto, quando se trata de escolher uma área de estudo, a família deve incentivar o aluno mas também estar atenta para ver se é realmente isso que ele quer.
Dicas para repetentes: Quando os alunos têm de repetir o ano
Não é fácil para nenhum aluno que tenha ficado retido ter de recomeçar o novo ano, mas a maior frustração já aconteceu: foi em Junho, quando as notas do 3.º período saíram. Nessa altura, a sua auto-estima pode ter ficado por terra ao ver os colegas passar e ele não.
Mas "quando a retenção é justa e quando as crianças entendem que resultou de falta de empenhamento, o novo ano pode ser um momento positivo, a altura em que se vão empenhar para ultrapassar as suas dificuldades", defende Isabel do Vale, psicóloga da Escola Básica Integrada Patrício Prazeres, em Lisboa.
A nova turma deve ser preparada para receber o aluno que teve insucesso, assim como os professores devem estar envolvidos para, desde cedo, identificar quais as áreas onde o aluno tem maiores dificuldades, de maneira a encaminhá-lo para apoios.Aos pais é recomendado que acompanhem as evoluções que o filho faz e o incentivem. A retenção não pode ser olhada como "uma desgraça, mas como uma nova partida para consolidar matérias", diz Maria do Céu Tavares, psicóloga do Colégio do Sagrado Coração de Maria, em Lisboa.
"Um filho que tem de repetir foi penalizado pela escola, pela sociedade e por ele próprio. É fundamental que os pais reconheçam os êxitos, mesmo que moderados, para evitar o risco de se reparar só no que fazem mal", recomenda Dulce Gonçalves, psicóloga educacional, professora na Universidade de Lisboa e coordenadora científica do Lispsi - Centro de Psicologia Clínica e Educacional de Lisboa.
Tenham os filhos chumbado ou não, "os pais devem esperar dificuldades e diferenças", avisa a psicóloga educacional. Se a ansiedade é provocada por não se saber o que vai ser o novo ano, uma coisa é sabida: haverá dificuldades porque "aprender exige esforço". Aliás, esta noção deve ser transmitida às crianças desde cedo, explica.
"Aprender é bom, mas passa por fases de dificuldade que nos obrigam a insistir", diz Dulce Gonçalves. Com esta ideia, a psicóloga não tenciona "assustar os pais", mas ajudá-los a compreender que é importante fortalecer as crianças e que isso não passa por evitar o erro, mas por ensiná-las a superá-lo. Portanto, cabe aos pais a criação de situações em que os filhos possam aprender a gerir as dificuldades. Por exemplo, através de jogos, para que a criança saiba lidar com a dificuldade e a frustração de perder; ou através de tarefas domésticas, para exercitar a atenção e treinar o cumprimento de regras.
"O insucesso escolar aumenta porque preparamos cada vez menos os alunos para as dificuldades", conclui a psicóloga do Lispsi.
Público - 07.09.2008, Bárbara Wong